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Contemplando sua exuberância, a humanidade entendeu a passagem do tempo, compreendeu as estações e começou a decifrar a grandiosidade do universo. Por meio da observação, o homem primitivo percebeu que o Sol, à medida que nascia e se punha cotidianamente no horizonte, movia-se vagarosamente numa direção. Notou também que, em determinado dia, ele parava de ir naquela direção e, a partir de então, passava a mover-se na direção oposta, o que coincidia com a mudança no clima. Assim, a humanidade descobriu o Solstício, que em latim significa ‘parada do sol’ e que marca o início do inverno ou do verão.
Sábado, 20 de junho, o Hemisfério Sul será contemplado com o Solstício de Inverno. Isso significa que teremos a noite mais longa do ano, marcando o início da nossa estação mais fria. Neste dia, o Sol se porá no horizonte, na posição mais ao norte em relação ao ponto cardeal Oeste, como acontece há milhões, bilhões de anos. Os raios solares refletirão diretamente no Trópico de Câncer. A incidência da luz do Sol será menor no Hemisfério Sul, razão pela qual entramos no inverno, e maior no Hemisfério Norte, marcando, para eles, o Solstício de Verão.
Em 21 de dezembro, o cenário se inverte. Nós teremos o dia mais longo do ano. A metade sul do planeta será mais iluminada e os raios solares incidirão diretamente no Trópico de Capricórnio, marcando o nosso Solstício de Verão, enquanto o Hemisfério Norte estará vivendo o início da sua estação mais fria, com o Solstício de Inverno. As datas variam de ano para ano, mas normalmente ocorrem entre os dias 20 e 22 de junho e 20 e 22 de dezembro.
Hoje, sabemos que o deslocamento do Sol no horizonte, observado pelos nossos ancestrais, nada mais é do que a interação entre a inclinação do eixo da Terra, sua rotação sobre si mesma e o movimento que ela faz em torno do Sol, dinâmica que produz, além dos solstícios de inverno e verão, os equinócios de outono e primavera.
A ‘parada do sol’ encanta os homens desde os primórdios. O Solstício de Inverno, que estamos prestes a presenciar, era peculiarmente importante na cultura, na religião e na espiritualidade de inúmeras civilizações antigas. O monumento de Newgrange, na Irlanda, nos ajuda a entender o porquê disso.
Numa surpreendente obra de engenharia para o ano 3.200 a.C., agricultores da época construíram uma edificação de 85 metros de diâmetro, precisamente alinhada com o Solstício de Inverno do Hemisfério Norte – quando um raio de sol nascente corre pela passagem de 19 metros que leva à sua câmara interior, iluminando-a esplendidamente por 17 minutos. Isso só acontece neste dia do ano.
A obra revela a importância da natureza no dia a dia daquelas pessoas. Sem tecnologias capazes de driblar as intempéries do clima, os agricultores de Newgrange tinham clareza sobre a importância do Sol no crescimento das plantas e a importância das estações nos padrões migratórios dos animais, influenciando a caça e a pesca. O Sol era, como ainda é, crucial na agricultura; e a agricultura, fundamental na vida humana.
Essencial para a sobrevivência humana, o Sol era reverenciado pelos habitantes de Newgrange. No Solstício de Inverno, eles se reuniam para adorá-lo em ritos de misticismo e magia. Acreditavam que, assim, se conectariam com o sagrado, o divino: os misteriosos fenômenos naturais. O monumento era um local para enaltecer a natureza e festejar o novo ano, já que a ‘parada do sol’, e a mudança na direção de seu deslocamento, simbolizava a chegada de um novo tempo, um renascimento. Celebravam para que o Sol lhes concedesse abundância na colheita, na caça e na pesca no período que se iniciava. Além disso, Newgrange também era um templo funerário e um espaço de importância astronômica.
Assim como esses agricultores, muitas civilizações antigas interpretavam a ‘virada do sol’ do Solstício de Inverno como marco de uma nova etapa e sinal de renovação. Estudiosos encontraram registros dessa crença em povos da Europa antiga, de regiões da bacia mediterrânea, da Índia, da América Latina, entre outros. Em sua maioria, eles celebravam a data com cerimônias e festivais pagãos que, com o tempo, acabariam sendo incorporados pela Igreja Católica.
Uma das maiores celebrações do cristianismo, o Natal, nasceu assim. Até meados do século IV, quando 25 de dezembro foi oficializado como data do nascimento de Jesus Cristo, os romanos comemoravam o “Natalis Solis Invict”, o Nascimento do Sol Vitorioso no Solstício de Inverno. Era um rito agrícola, no qual enalteciam a vitória do Sol contra as trevas, já que os dias passavam a ser cada vez mais longos.
Na mesma época, ocorria a festa do deus persa da luz, Mitra, representante de uma das religiões mais populares naquele período. Havia ainda o Yule, que mesclava tradições germânicas e celtas, festejava as noites mais curtas e o renascimento do Sol, símbolo da fertilidade – essa celebração persistiu e ocorre anualmente em Stonehenge, na Inglaterra. O cristianismo incorporou no Natal essas e outras cerimônias do paganismo, abarcando seus signos e expressões. A data, no nosso calendário gregoriano, também carrega o simbolismo do renascimento e da renovação.
Na maior parte dessas culturas, o sentimento em torno do Solstício de Inverno sempre remete à chegada de algo novo. Os povos incas tinham o Inti Raymi: nove dias de festas, danças e rituais de sacrifício em que homenageavam o deus sol, Tata Inti, para garantir um novo ano produtivo na agricultura, na caça e na pesca. Apesar de proibido por volta de 1.500 por um rei católico, o evento resistiu e, atualmente, é celebrado na fortaleza de Sacsayhuamán, no Peru. A adoração dos incas pelo astro-rei também fica clara no Templo do Sol, em Machu Picchu, de onde era possível acompanhar os seus movimentos.
Cerimônias semelhantes ocorrem em outros locais da América Latina, como Chile, com os descendentes de mapuches, na Argentina, com a Festa Nacional da Noite Mais Longa de Ushuaia, e na Bolívia, com as oferendas ao Sol. Os maias e astecas também valorizavam os solstícios em seus calendários e em outras manifestações culturais e religiosas.
Na cultura brasileira, temos as festas juninas, que herdamos de Portugal e Espanha. No cristianismo, essa é uma tradição para festejar o nascimento do profeta João Batista, que teria anunciado a ‘boa nova’, prevendo a vinda de Jesus Cristo à Terra. Ela também é uma adaptação de um rito pagão, celebrado, desta vez no Solstício de Verão no Hemisfério Norte, para enaltecer a volta do deus grego Adonis, o que simbolizava um tempo de boa colheita. A intenção da fogueira era alimentar e fortalecer o Sol, já que os dias ficam lentamente mais curtos a partir daquele momento. No Brasil, a festa ganhou novos contornos, somando à fogueira o forró, a roupa caipira, as simpatias e superstições, mas a ideia da vinda de algo novo permanece.
A reverência ao Sol em diversas culturas que jamais tiveram contato entre si é uma evidência de que a ideia de um corpo celeste poderoso e dominante povoa o inconsciente coletivo da humanidade. Os autores Calvin S. Hall, Gardner Lindzey e John B. Campbell, na obra Teorias da Personalidade, explicam como isso se dá: “A repetição da experiência de ver a excursão diária do Sol de um horizonte a outro, geração após geração, fixou no inconsciente coletivo o arquétipo do deus-sol, que dá a luz e é deificado e adorado pelos humanos”.
Os astros também nos ajudam a entender o Solstício de Inverno deste ano. Para alguns astrólogos, o mapa deste evento sugere que nossa saúde ainda inspirará cuidados na estação mais fria – sobretudo em meio a uma pandemia –, mas que há chances de ensaiarmos os primeiros passos da recuperação dessa crise. Ou seja, o simbolismo que os antigos viam nesta data nos chega reforçado: estamos vivendo dificuldades, o inverno é um mês mais inóspito, mas, ao final, o Sol brilhará, nos energizará e nos brindará com a primavera e o verão.
Diante das dificuldades atuais, talvez seja mesmo um bom momento para buscarmos internamente nossas raízes ancestrais, encontrando um meio de redescobrir os aspectos divinais da natureza, de nos tornarmos receptivos a toda luz e energia que o Sol nos oferece. A vibração do renascimento é um convite para curarmos sentimentos e emoções do passado que não precisam mais perturbar o presente. Tempo de renovação também é tempo de perdão, de deixar mágoas, tristezas e rancores irem embora, purificando a conexão entre mente, corpo e espírito. Essa é uma oportunidade de tornarmos nossa vida mais leve
Oficialmente, o Solstício de Inverno ocorrerá no Brasil às 18h44 de sábado. Aproveite o momento para celebrar o Sol na sua vida, como faziam as antigas civilizações há milhares de anos. No Portal Soham, você encontra uma série de práticas e técnicas de saúde complementar e integrativa para ajudá-lo neste momento.
Observação: Você poderá assistir ao vivo, por meio das redes sociais da English Heritage, organização que mantém Stonehenge, o momento em que os raios do Sol nascente do dia 20 de junho, no Solstício de Verão do Hemisfério Norte, tocarão a pedra principal do monumento.
Autor
Clelia Queiroz Gadelha